Boom de assembleias com o fim da vigência da Lei 14.010/2020

Condomínios correm para se regularizar com a aproximação do prazo da Lei 14.010, que prorroga mandato de síndicos e permite assembleias virtuais até 30/10

Condomínios com mandatos de síndicos vencidos a partir de 20 de março precisam correr contra o tempo. No dia 30 de outubro, chega ao fim a vigência da Lei 14.010/2020, que prorroga o mandato de síndico em casos de impossibilidade de realização de assembleias virtuais.

A modalidade está autorizada, em caráter emergencial, pelo artigo 12 da referida lei, também conhecida como Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia de COVID-19.

José Roberto Graiche Júnior, vice-presidente do Grupo Graiche, conta que na carteira de sua administradora realmente ficaram muitas assembleias represadas e que mesmo alertados, como bons brasileiros, os condomínios deixaram para fazer em cima da hora.

“Houve um acúmulo de mandatos vencidos e assembleias por fazer e desde setembro estamos a todo vapor. Dos nossos 800 condomínios, cerca de 15% estão com mandatos de síndico a vencer até o dia 30/10. Até assembleias durante o dia e aos sábados estamos realizando”, diz Graiche Júnior, que está com cinco equipes dedicadas à assembleia digital.

Interpretação jurídica: Lei 14.010 vale até o fim da pandemia? 

A verdade é que ninguém esperava que a pandemia fosse se estender por tanto tempo – nem os legisladores – e que até 30 de outubro a situação teria sido superada.

Mas com a vacina ainda no campo da expectativa, a pandemia prevalece e o distanciamento social continua sendo uma das medidas mais eficazes para se evitar o contágio – e um empecilho às assembleias presenciais (físicas).

O advogado André Luiz Junqueira lembra que o principal motivo da criação dessa lei é a pandemia, que continua, e abre brecha de interpretação: “enquanto durar a pandemia, o condomínio pode se utilizar, sim, da assembleia virtual até a pandemia acabar, independente da data de vigência”, opina. 

Já a posição da Associação das Administradoras de Bens Imóveis e Condomínios de São Paulo (AABIC) é mais conservadora sobre realizar assembleia virtual depois do dia 30.

“Não trabalhamos com tese. Enquanto não há uma pacificação do judiciário, temos que alertar para o risco e minimizar com alternativas para evitar problemas maiores”, afirma Graiche Júnior, que também é presidente da AABIC.

Embora esteja em tramitação o Projeto de Lei 2323/2020, que, entre outras coisas, permite que as assembleias virtuais permaneçam mesmo após a pandemia, tanto Graiche quanto Junqueira dizem não ver nenhuma movimentação efetiva nesse sentido nas casas legislativas neste momento. 

Para quem não quer pagar para ver, só há uma alternativa: fazer uma assembleia até 30 de outubro para que o condomínio não fique sem representatividade e com prestação de contas pendentes (veja mais ao final da matéria sobre os riscos).

Estreia na assembleia digital mesmo com metade dos condôminos idosos

Foi o que fez em agosto a aposentada Maria Alice Batista Poletto, síndica de um condomínio com 44 unidades em Moema, na cidade de São Paulo. O empreendimento também fez o seu debut na modalidade de assembleia digital, mesmo com 50% de idosos – o condômino mais velho, de 80 anos, fez questão de votar (com auxílio do filho).

“Estava bastante preocupada, mas funcionou muito bem. A experiência e a adesão na assembleia digital superaram a expectativa. A participação do pessoal foi muito maior do que na presencial. Diferente desta, em que há sempre pessoas que se exaltam e fogem do foco, na digital as dúvidas foram sendo respondidas antecipadamente com muita organização e sempre dentro da pauta“, relata a síndica, no cargo pela segunda vez.

Além de ajudar a contornar o problema da pandemia, Maria Alice conta que a assembleia digital trouxe um efeito colateral positivo: participação efetiva dos condôminos. Segundo ela, em seu condomínio usava-se muitas procurações, que ficavam concentradas nas mãos de dois condôminos que dominavam as votações.

“Quem costumava dar procuração acabou participando efetivamente. Tivemos nesta assembleia digital cerca de 30 condôminos, enquanto na presencial eram sempre sete pessoas mais 20 procurações. Mesmo quem mora em outra cidade ou fora do Brasil, participou”, comemora ela, que compartilha do sucesso com a administradora GK, que forneceu a ferramenta, orientou e deu o suporte necessário. Ela pretende repetir a experiência.

Assembleia presencial: pauta enxuta, local bem ventilado e distanciamento seguro

Embora a assembleia virtual seja o meio mais seguro para evitar qualquer risco de contaminação pelo coronavírus, já provado ser altamente contagioso, há condomínios que optaram pela modalidade tradicional presencial, tomando as devidas precauções para minimizar os riscos. 

Foi o caso do condomínio em que o engenheiro Alfredo Vieira das Neves Junior é síndico há um ano e meio. O empreendimento tem 11 torres no bairro da Casa Verde, em São Paulo.

“Testamos a ferramenta digital e, como vários condôminos apresentaram dificuldades, eles próprios optaram pela assembleia presencial. Aguardamos a cidade chegar na fase laranja de reabertura para iniciar as rodadas de reuniões nas torres nos meses de setembro e outubro”, explica.

No condomínio com 836 unidades em que moram 2.700 pessoas, foram estipuladas regras para a viabilidade das assembleias: 

  • apenas um representante por unidade
  • uso de máscara
  • distanciamento entre as pessoas
  • cada um levando a sua própria caneta.

As reuniões foram feitas no espaçoso salão de festas, mantendo as janelas grandes abertas com ventilação natural.

“Precisava fazer eleição dos subsíndicos das torres, que deveria ter acontecido em abril. A pauta foi enxuta: eleição e aprovação de previsão orçamentária. Em algumas torres, houve sorteio de vagas de garagem. A duração das reuniões foi de 45 minutos a uma hora.”

Síndico de um condomínio no Morumbi com apenas 16 unidades, o economista Claudio Marcos Silva também realizou assembleia presencial pelos mesmos motivos: o perfil dos moradores não se adequou ao virtual. Na assembleia realizada dia 30 de setembro (antes prevista para março), participaram menos de 10 pessoas. 

“Tomamos todas as precauções, com distanciamento, uso de máscara e ventilação natural no salão de festas. A pauta teve apenas dois itens: aprovação da prestação de contas do exercício anterior e previsão orçamentária até abril”, explica.

Assembleia física: risco de invalidação

O advogado André Junqueira recomenda que os condomínios que optarem pela assembleia física devem providenciar um mecanismo de voto virtual para que aqueles que não quiserem se arriscar indo presencialmente.

“Se é feita uma assembleia física somente, as pessoas que não quiserem se arriscar, por não participar, podem buscar invalidação dessa assembleia“, sinaliza Junqueira.

Para ele, a assembleia física que não viabiliza a participação virtual para quem não se sente a vontade de ir, incorre em insegurança jurídica superior à virtual neste momento de pandemia porque prejudica o direito de participação e de voto do condômino que não quer se arriscar.    

Mandato do síndico venceu: o que fazer?

Se não foi feita eleição de síndico até o dia 30 de outubro e em não havendo mais prorrogação da vigência da Lei 14.010, o advogado André Junqueira recomenda que nada seja feito no desespero.

“A pressa é inimiga da perfeição e, neste caso, prejudica a saúde física e jurídica. Busque assessoria junto à sua administradora, ao seu advogado para fazer uma assembleia virtual ou, mesmo que eu não recomende, uma assembleia física permitindo que condôminos participem virtualmente”, orienta Junqueira.

O advogado especializado em condomínios conta que vários condomínios clientes seus optaram por não fazer nenhuma assembleia durante a pandemia, nem virtual e nem física, por receio de fazer algo errado.

“Respeito a decisão, mas não dá para não fazer assembleias durante muito tempo porque existe o dever de prestação de contas, tem a previsão orçamentária, estamos em uma outra realidade econômico-financeira do Brasil”, alerta Junqueira. 

Os problemas do condomínio sem representatividade

Um condomínio sem síndico pode acarretar para si vários problemas – risco iminente daqueles com mandatos vencidos a partir de 30 de outubro e que não realizarem eleições: 

  • bancos podem começar a restringir os acessos e bloquear movimentações
  • problemas na renovação do certificado digital
  • problemas junto à Receita Federal e eSocial
  • não cumprimento de obrigações trabalhistas, como liberação de fundo de garantia
  • condomínio declarado revel em audiência trabalhista
  • ações em trâmite, que poderão ser paralisadas enquanto perdurar a irregularidade.

O dilema da assembleia virtual em condomínios: segurança jurídica 

Não é de hoje que há correntes favoráveis e contrárias à realização da assembleia virtual. Mas fato é que a pandemia forçou e acelerou inovações no mercado condominial, por pura necessidade, inclusive nas assembleias.

André Junqueira é um dos defensores da assembleia virtual há tempos. Para ele deve haver regramento específico para viabilizar a participação e voto de todos os condôminos, geralmente aprovado em assembleia prévia. 

“Não há necessidade de previsão na Convenção, mas esta não pode proibi-la, o que é raro”, diz.  

Já para José Roberto Graiche Júnior, da AABIC, é recomendável que haja previsão da assembleia virtual na Convenção e, quando não estiver, o condomínio precisa conseguir comprovar que todos os condôminos têm condições de participar da assembleia virtual.

De acordo com ele, durante a pandemia, a AABIC chamou os maiores fornecedores de plataformas de assembleia digital do mercado para discutir implementações para aperfeiçoamento dos sistemas de forma a trazer mais segurança e evitar eventuais impugnações.

A atenção especial de melhorias foi direcionada a elementos fundamentais das assembleias, como:

  • lista de inscritos
  • lista de presença
  • contagem de votos
  • integração da plataforma com vídeo e chat

“Durante a pandemia, os softwares e aplicativos foram ainda mais aperfeiçoados para oferecer maior segurança jurídica. A partir do momento que sentiu-se segurança em utilizar as plataformas, mais administradoras começaram a fazer assembleias virtuais”, explica o presidente da AABIC.

Usando massivamente a modalidade virtual em sua empresa, Graiche relata que surgiram dificuldades nos condomínios que realizaram pela primeira vez, o que é esperado.

“Tivemos poucos problemas e o mais importante: não houve nenhuma contestação. Foi positivo, fluiu bem e dobrou o número de participação: as pessoas estão mais interessadas no seu patrimônio hoje, em decorrência da própria pandemia e dos impactos na dinâmica condominial”, diz Graiche Júnior.

Na visão dele, a tendência será a assembleia híbrida ao vivo: parte presencial e parte via plataforma tecnológica, com a familiarização das pessoas com o tempo.

Fonte: Síndiconet