Supervisora de atendimento em um hospital, Elaine de Lima, de 36 anos, vai morar mais perto do trabalho. Ela não tem carro – nem pretende mais ter. No ano passado comprou um apartamento pequeno, sem vaga de garagem, no Cambuci, região central da cidade. Pesou na escolha a chance de usar transporte público ou um aplicativo para ir ao serviço, na zona sul, sem ficar presa no trânsito.
“Tinha plano de comprar carro, mas o custo de manutenção é absurdo e o trânsito está complexo. É mais conveniente andar de táxi, Uber ou metrô. Coloquei na ponta do lápis e não compensa.”.
5 anos após a aprovação do Plano Diretor de São Paulo, lei que orienta o desenvolvimento da cidade, o número de apartamentos sem vaga de garagem, como o de Elaine, aumentou. Só em 2018, 4 em cada 10 unidades lançadas na capital não tinham estacionamento, tendência que acompanha novas formas de ocupar a cidade e se deslocar. Dados do Sindicato da Habitação do Estado de São Paulo (Secovi-SP) indicam que, das 37,1 mil unidades lançadas no ano passado, 15,1 mil eram sem vaga de garagem (40,9%).
Em números absolutos, a maioria se concentra nas zonas leste e sul, mas é no centro, onde a oferta de serviços e transporte público é maior, que as unidades sem vaga superam lançamentos para quem tem veículos. Só até março foram inaugurados 844 apartamentos sem estacionamento.
Para especialistas, os lançamentos acompanham tanto a exigência da nova lei quanto mudanças no perfil do paulistano, menos conectado com os carros. Também atendem à necessidade de baratear os empreendimentos, enquadrando- -os em regras de financiamento do programa Minha Casa Minha Vida, para caber no bolso do comprador, em meio à crise.
O Plano Diretor estabeleceu que prédios no entorno de corredores de ônibus e estações de metrô tenham, no máximo, uma vaga de garagem por apartamento – é preciso que a construtora pague valor extra à Prefeitura caso queira mais espaço para veículos. Antes, uma vaga era o mínimo exigido.
As diretrizes do plano foram detalhadas pela Lei de Zoneamento, de 2016. O objetivo é justamente desestimular o uso de carros em áreas adensadas, onde há oferta de transporte público.
Condomínios na cidade se diversificaram com as mudanças
O resultado das mudanças foi uma diversificação nos novos empreendimentos.
“Tem prédios com apartamentos de duas vagas e estúdios sem vagas”, exemplifica Celso Petrucci, economista-chefe do Secovi-SP.
Em média, os apartamentos sem vagas lançados no ano passado tinham 36 m² – bem menores do que a média com vaga, de 68 m².
“É um movimento natural quando a cidade fica muito adensada. Em Nova York, as pessoas não têm carro privado e a nova geração tem a mentalidade de que o carro é quase um prejuízo”, afirma Deborah Seabra, economista do Grupo ZAP, portal de imóveis.
Para Valter Caldana, professor de Arquitetura e Urbanismo do Mackenzie, a lei sobre uso do solo em São Paulo “escutou” uma demanda.
“Havia um segmento muito grande desejoso de morar em zonas centrais, pagando mais barato. E esse segmento dispensa o automóvel.”
Os jovens são a cara desse movimento, diz Caldana, mas não são os únicos entusiastas.
Mudanças nos padrões de família (que estão cada vez menores) e de consumo (de mais experiências e menos volume) ajudam a explicar a onda.
O compartilhamento de serviços também impulsiona a escolha pelos novos apartamentos.
“É para preferencialmente andar a pé, de patinete ou bicicleta. É um novo perfil de pessoas que preferem morar em lugar menor, mas próximo do trabalho, escola, lazer e áreas de consumo.”
Fonte: Jornal Estação