Saúde mental no condomínio & A gestão do síndico

Escrito por  Rosali Figueiredo

As queixas contra vizinhos nos condomínios aumentaram com o isolamento social adotado para o controle da pandemia do novo Coronavírus.

Se antes da pandemia o condomínio já era um ambiente potencialmente conflitivo, pelo convívio próximo de muitas pessoas, na quarentena os problemas se exacerbaram, com o aumento da intolerância entre os vizinhos. O que os síndicos podem fazer para acalmar os ânimos?

Especialistas apontam um crescimento do sentimento de angústia nas pessoas, impulsionado pelo trabalho no home office em condições nem sempre favoráveis, pelas incertezas econômicas e de saúde dos familiares, e pela ampliação da demanda doméstica (apoio às aulas on-line dos filhos, preparo da alimentação, limpeza etc.). A pesquisa Pnad Covid-19 do IBGE revelou que o Brasil atingiu, em julho de 2020, 8,4 milhões de trabalhadores remotos, 4,9 milhões no Sudeste. Em 2018, havia 3,8 milhões de pessoas no home office em todo País, segundo o IBGE.

Quais os reflexos disso no convívio e na gestão do condomínio?

“Tem gente ouvindo ‘barulhos’, vendo ‘coisas’ que não existem, pegando no pé de quem passa pela frente. Tem gente que fica contando quantas vezes o vizinho vai passear com o cachorro na rua, que não tolera um furo para se instalar um quadro na parede, não suporta uma gargalhada no apartamento ao lado. Tem gente que reclama da conta de água e gás, mas não se dá conta que toda a família está em casa 24 horas!!”

O relato acima, de um síndico que pediu anonimato, descreve o cenário atual e explica o aumento de 200% nas notificações extrajudiciais feitas por moradores de prédios em São Paulo por causa de barulho, obras, discussões e falta de uso de máscaras nas áreas comuns, entre os meses de março e julho de 2020, de acordo com a AABIC (Associação das Administradoras de Bens Imóveis e Condomínios de São Paulo).

Chutes em portas e parede

“Com a pandemia, temos dedicado muito mais tempo para dialogar com morador” (Síndica Eliana Maria Cuquerave)

A síndica Eliana Maria Cuquerave, moradora do Condomínio Parque Residencial Ourives, no Jardim Celeste, zona Sul da cidade, exemplifica este quadro com o caso de um morador que, na quarentena, começou a “chutar portas e parede” dentro de seu apartamento. Mas não foi preciso notificar nem multar. Bastou a conversa amigável com familiares próximos do condômino e uma visita à sua unidade para contornar a crise. “Sossegou, parou o barulho”, afirma.

Segundo Eliana, a pandemia elevou a temperatura nos relacionamentos, resultando em mais intolerância. “Temos dedicado muito mais tempo para dialogar com morador”, observa. Neste residencial de seis torres e 312 unidades, as reclamações são trabalhadas inicialmente com o diálogo, na tentativa de que as partes se coloquem na posição da outra, “caso contrário não há como se entender”. Outras medidas procuram minimizar as tensões. Desde julho o condomínio promove aulas de ginástica para os moradores na quadra externa, “o que tem ajudado a aliviar o estresse todo”.

Escuta & Acolhimento

“A postura de empatia, de se preocupar com o outro, cria um ambiente mais harmônico, saudável e solidário” (Síndica Guiomar Courtadon, psicóloga que atua com mediação de conflitos)

“Os conflitos fazem parte da natureza humana, o que faz diferença é a maneira como lidamos com eles. Quando bem manejados, podem levar a aprendizados, estimular a criatividade. Porém, se o gestor não tiver traquejo, poderá sofrer danos emocionais e até consequências jurídicas”, observa Guiomar Courtadon, psicóloga que atua com mediação de conflitos e síndica do Condominio Genoveva Jaffet há nove anos. Segundo Guiomar, a pandemia aumentou os desafios, “porque estamos em um momento de luto, houve perdas de vidas, de sonhos, afetivas (muito tempo sem se ver pessoas queridas), financeiras”. “Então, o síndico precisa ver esse momento como difícil para todos. As pessoas acabam depressivas, com irritabilidade, e o convívio muito próximo dentro de casa dificulta ainda mais.”

Além de apostar no diálogo, é preciso que os gestores saibam impor limites, exigir respeito à sua pessoa e evitar entrar na emoção alheia, pontua. “Tomo muito cuidado na hora de colocar as palavras e exijo isso do interlocutor, assim, recebo muito respeito. Imponho esse limite”, ilustra. E, “quando o morador vem reclamar do barulho e chega nervoso, irritado, com uma fala carregada de emoção e angústia, procuro escutar o desabafo sem julgá-lo”. “Depois vou buscar informações para entender o que ocorreu e adotar as medidas necessárias.”

No Condomínio Genoveva Jaffet, prédio de 54 unidades localizado no bairro do Paraíso, centro expandido de São Paulo, prevalecem a escuta e a acolhida, destaca a síndica. “É um relacionamento que conquistamos ao longo do tempo entre os moradores, gestores e funcionários.” Na fase mais restritiva da quarentena, Guiomar diz que conversou individualmente com cada morador, para verificar se havia alguém com dificuldade financeira que demandasse negociação para o pagamento do condomínio, ao mesmo tempo em que condôminos se dispuseram a ajudar os vizinhos: Uma médica ofereceu consultas on-line gratuitas; moradores começaram a fazer compras para pessoas do grupo de risco; um condômino produziu um protótipo, com impressora 3D, para abertura das portas dos elevadores sem necessidade de acioná-las com as mãos. “A postura de empatia, de se preocupar com o outro, cria um ambiente mais harmônico, saudável e solidário”, arremata Guiomar.

Fonte: Revista Direcional Condomínios

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *